quarta-feira, 10 de dezembro de 2014

Crónicas de um viciado

Quando me foi oferecida uma crónica aqui no Vício dos Carros, recebi carta branca em relação aos carros sobre os quais escreveria, liberdade total de escolha. Naturalmente, isto quer dizer que vou falar de Muscle Cars com uma certa frequência.

Não que eu seja o tipo de pessoa que prefere corridas entre semáforos a assapar por ruelas em paralelo, mas há qualquer coisa em ter riscas de corrida ou o capôt preto e fazer burnouts perfeitos alimentados por um motor generoso e um line lock para travar só as rodas da frente, que me faz sonhar acordado um pouco.

Isso leva-me ao carro de hoje, o Ford Torino Cobra de 1970 e 1971.






Optei por falar deste modelo específico, apenas destes dois anos de produção por algumas razões. Em primeiro lugar, a geração anterior é famosa pela sua invejável série de vitórias na NASCAR, com o Torino Talladega, depois, o modelo de 1972 teve direito a um filme inteiro com o seu nome, Gran Torino, realizado e protagonizado por Clint Eastwood, assim como o papel do carro vilão no quarto filme da série Velocidade Furiosa e, por último, o modelo de 1974 é o eterno carro de Starsky and Hutch. Isto deixa a geração de '70 a '71 quase esquecida e mais dificilmente exposta ao mundo para lá da América do Norte, que, logo por azar, inclui Portugal.

Para ajudar a localizar o Torino na parafernália de modelos da Ford nos Estados Unidos, ele era mais ou menos o equivalente a um Cortina MK3, ou Taunus TC, com versões de 4 portas e até carrinha, mas incluindo um descapotável. O Cobra estava limitado à versão fastback, ou Sportsroof. Era uma espécie de irmão mais velho do Mustang, como o Chevelle para o Camaro.

Mas, para além do tejadilho desportivo, o que tornava o Torino Cobra num carro especial, era, sem dúvida, o motor. Quando há pouco falei em motores generosos, escolhi cuidadosamente essas palavras para incluir tudo o que já foi colocado debaixo do capôt de um Muscle Car, desde 4 cilindros e V6 sobrealimentados aos Big Block V8's. O Torino Cobra era equipado com um dos últimos: 7 litros de metal bruto de Detroit, ou de Lima, no Ohio, que era onde o motor era fabricado, mas deu para perceber a ideia. São 7033 centímetros cúbicos, imaginem "7.0" na mala do vosso carro, sete vezes a cilindrada de um Ecoboost 3 Cilindros. Isto traduzia-se para 370 cavalos, todos a correr assustados pela mesma Cobra.



A caixa de velocidades era manual de 4 velocidades, com a opção da automática de 3, que permitiam levar a besta de cerca de 1700 kg até aos 217 km/h, fazendo 0-100 em menos de 6 segundos na versão manual.












A suspensão do Cobra era melhorada, os pneus traziam letras brancas de série, o capôt era pintado de preto baço (em 71 passaram a ser duas riscas) e tinha um buraco no meio para dar lugar a uma entrada de ar presa ao motor, que também era pintada de preto baço, criando desta forma o efeito de que o capôt abanava com o trabalhar do carro. A paleta de pintura era repleta de cores vivas, como o Grabber Blue, mas outras mais discretas como o Dark Ivy Green ou o próprio Raven Black.


Não é o tipo de carro que provavelmente vamos conduzir, nem tão pouco o carro que ambicionamos ter quando "formos grandes", mas se nos presentearem com uma quantidade avultada de dinheiro e decidirmos comprar um destes em vez de um Porsche 911, um Mercedes S500 ou um Ferrari Italia, vamos ser quem mais cabeças vira, e iremos cimentar a nossa reputação de connoisseur, assim como de viciado.


Gonçalo Sampaio, no Vício dos Carros

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