sexta-feira, 23 de janeiro de 2015

Excentricidades - Japão, o Rei do Tuning

Quando iniciamos esta categoria no Vício, fizemos questão de deixar perfeitamente claro que ela seria dedicada ao Tuning, carros modificados, nada mais, nada menos. Mas numa semana dedicada exclusivamente a carros japoneses, tornou-se difícil escolher um só projecto para vos apresentar, portanto decidimos falar do papel do Japão no mundo do Tuning.



É claro que, ao pensar nas origens da modificação automóvel, vêm-nos à cabeça os Hot Rods americanos, mas até podemos recuar um pouco mais, aos anos 30, quando Enzo Ferrari preparava os Alfa Romeo e Ugo Sivocci lhes pintava aqueles famosos trevos de 4 folhas num fundo branco, simplesmente para estes lhe trazerem boa sorte nas corridas. Talvez a verdadeira origem do Tuning seja essa, a competição, mais tarde democratizada pelos tais americanos que voltavam da guerra e compravam Fords Model A, B ou T e os reparavam, reconstruíam e modificavam, para depois correr entre semáforos.

Entretanto, o Japão tinha acabado de sofrer a vingança mais pesada de toda a História, deixando de gozar do seu estatuto de ameaça global para se tornar num exemplo do que acontece a alguém que leva uma faca para um duelo de pistolas, ou neste caso, um esquadrão de aeronaves -curiosamente Mitsubishis- para atacar uma potência nuclear.

O resultado desta tenebrosa vingança tem um certo brilho, uma espécie de final feliz, porque o Japão se tornou num dos países mais relevantes no desenvolvimento tecnológico do mundo, e a sua cultura, já ocidentalizada, é profundamente fascinante. Naturalmente, no que toca aos carros, a diversão começou aí.

Nos anos 50 ainda pouco ou nada nos chama à atenção no panorama das 4 rodas japonês, mas na década de 60 surgem as primeiras pérolas, como o S500 da Honda, o Sports 800 e 2000GT da Toyota, o Cosmo da Mazda e, claro, o Skyline Hakosuka e o Fairlady Z (para nós 240Z) da Nissan. A Mitsubishi e a Subaru só começaram a fazer desportivos a sério a partir da década seguinte.


Nesta altura, começa a nascer a vontade de modificar os carros entre os japoneses, com alargamentos de carroçaria, jantes mais largas, suspensões rebaixadas, radiadores de óleo, remoção de pára-choques, spoilers dianteiros ou traseiros, tudo o que transmitisse a ideia de um carro de competição. Esta foi uma época interessante, em que o drift deixou de ser apenas uma técnica aplicada por pilotos de corrida, para se tornar num desporto por si só. Foi aí que se começaram a ver os pneus esticados e os cambers a descambarem, perdoar-me-ão o trocadilho.




Quando as corridas do Grupo 5 começaram a ser feitas com Silhouette Cars (silhuetas de carros de produção), a moda dos spoilers exageradíssimos, que não teve impacto em mais nenhuma parte do mundo, explodiu no Japão, por todo o lado se começaram a ver carros com kits enormes, quase todos fabricados pelos próprios donos, para tentar captar aquela imagem dos carros de Grupo 5 do final dos anos 70 e início dos anos 80. Mas como se não bastasse, a excentricidade chegou ao cúmulo de serem feitas frentes aguçadas, tipo nariz de tubarão, escapes extremamente alongados, a ponto de serem mais altos do que os carros e pinturas com as cores mais berrantes que as lojas de tintas pudessem fabricar. Este estilo é normalmente apelidado de "Bosozoku", por ter tido origem em motas utilizadas e modificadas por membros do gang com o mesmo nome. No entanto, um nome mais politicamente correcto para descrever os carros japoneses modificados desta época é Kyusha, embora essa designação englobe tanto os carros mais simples como os exagerados, e daí ainda se utilizar tanto o termo Bosozoku.




Entretanto, o desenho automóvel foi evoluíndo, até os pára-choques fazerem parte da carroçaria e as arestas serem todas arredondadas outra vez. Isto deu muito espaço ao tuning para crescer e, de um momento para o outro, começamos a ver várias empresas fabricarem Body Kits em materiais mais leves, como fibra de vidro. Talvez a iniciativa tenha sido das próprias marcas, com modelos como o Mitsubishi Lancer Evolution ou o Subaru Impreza WRX, mas o facto é que a moda pegou, e conforme cada vez mais modelos nipónicos eram exportados para o resto do mundo, revelando-se muito apelativos de modificar também a nível mecânico (e alcançando cada vez mais sucesso em rallis e outras competições internacionais), o número de carros japoneses modificados disparou. 








Talvez o maior reflexo deste impacto tenha sido o primeiro filme da saga Velocidade Furiosa, em que um trio de Hondas Civic assaltam camiões e um polícia infiltrado interpretado por Paul Walker conduzia um Mitsubishi Eclipse e um Toyota Supra pelas ruas de Los Angeles. Deixa saudades.
Hoje em dia vivemos num rescaldo dessa época mal definida que foram os anos 2000, e o carro japonês segue um pouco a tendência do resto do mundo, ficando cada vez mais electrónico, com linhas mais agressivas de fábrica, mas negligenciando os velhos coupés e sedans em prol de mais hatchbacks de 5 portas. Já poucos projectos procuram homenagear carros de rally e muitos procuram raspar pelo chão como se fossem turismos, tudo em nome do "stance". Ocasionalmente as marcas lançam um carro para nos lembrar dos clássicos, como o Toyota GT86, mas numa realidade portuguesa, em que o carro custa para cima de 40.000 euros, dificilmente vemos um na rua, quanto mais vê-lo modificado.









Felizmente, o mundo absorveu muitas lições do Japão, e o papel desse grande país no Tuning é inegável, é gigante, ainda faz muita gente sonhar e contribuiu imenso para nos viciar nesta droga pesada que são os carros.





Gonçalo Sampaio, no Vício dos Carros





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