quarta-feira, 24 de dezembro de 2014

Crónicas de um viciado

O carro de que vos vou falar hoje é dos mais especiais de sempre para mim, por uma razão muito simples, foi este carro que me viciou. Foi com ele que tudo começou, mas não me interpretem mal, não foi o meu primeiro carro, o que detém esse título é o Honda Civic EK3 Sedan de 1996, do qual falarei noutra altura.

Antes de entrar em contacto com este carro era simplesmente um miúdo que gostava do Ayrton Senna e de brincar com carrinhos. Com certeza, os Ferraris já tinham o seu fascínio, assim como as pick up's e os carros da polícia, mas ainda ninguém me tinha mostrado um Ford Mustang ou um Mercedes 190 Cosworth, o mundo automóvel era apelativo, mas com 3, 4 anos, o melhor que podia fazer era dizer todas as marcas de carros que conhecia e nomear os carros da família e amigos dos meus pais. Bem, os que já tinha visto pelo menos.

Belo dia, recebemos uma visita de um casal amigo. Não me recordo de literalmente nada desse dia excepto do carro deles, uma das coisas mais belas que já vi na minha vida (ainda hoje), uma carroçaria elegante, fastback, com 4 faróis redondos à frente. 

Um Alfa Romeo Sprint, vermelho.


Não faço ideia se era um 1.3, 1.5 ou 1.7, isso são coisas que sei agora, na altura apaixonei-me por um carro da forma mais inocente, natural e honesta, simplesmente olhando para ele.

Isto foi antes de saber que a Alfa Romeo era praticamente a mãe do desporto automóvel, efectivamente a mãe da Ferrari, a marca que tinha acabado de derrotar os alemães no seu próprio jogo com o 155 no DTM e que a maior vitória da história está atribuída a Tazio Nuvolari, ao volante de um Alfa Romeo P3 contra os Mercedes-Benz Silver Arrow do regime Nazi, numa corrida tão desequilibrada, que nem existia um disco de vinil com o hino italiano para a eventualidade de Nuvolari vencer. Felizmente, ele levou o seu com ele no carro.

Também foi antes de começar a ouvir as barbaridades que algumas mentes iluminadas vomitam acerca da marca.

Foi certamente antes de tatuar parte do símbolo da Alfa Romeo no corpo e sem dúvida antes de saber que a chapa deste carro incrível recebia um tratamento tão miserável, que eles conseguiam enferrujar antes de chegarem ao stand. Esse é o motivo de eu não conduzir um Sprint hoje em dia, para comprar um exemplar livre de ferrugem e com o tratamento necessário de chapa, teria de desembolsar mais do que quero, e para restaurar um até ao ponto de não ter essa preocupação para o resto da vida, teria de ter condições e espaço que simplesmente não tenho. Ainda, porque eu hei de ter e reconstruir o meu Sprint, o meu "Unicórnio", como diria Memphis Raines.

Mas durante algum tempo conduzi um outro Alfa que partilha essencialmente 100% da plataforma e mecânica com o Sprint, o poderoso 33, experiência essa que solidificou, cimentou, banhou a bronze e ergueu como estátua a minha paixão pelo carro. Ambos são movidos por um motor boxer, como os Porsche 911 e os Subaru Impreza, de 4 cilindros, alguns com carburadores duplos, outros com um belo sistema de injecção, apesar desta opção nunca ter existido no Sprint. A potência passa por uma caixa manual de 5 velocidades, cuja segunda tem a tendência a arranhar, e vai ter às duas rodas da frente, onde, por fim, irá ter ao chão, por vezes criando nuvens de fumo branco no processo.

Como é que a Alfa fez um carro de motor dianteiro (literalmente montado à frente do eixo) curvar tão bem, a ponto de sobrevirar mais facilmente do que subvirar, permanece um mistério para mim, mas sei que resulta, e em perfeita justiça, também não compreendo como é que um motor a jacto funciona, mas lá que o faz, faz.

O Sprint foi uma ligeira evolução do Alfasud Sprint, que era a versão coupé do Alfasud, um pouco como o CRX estava para o Civic, mas as diferenças são poucas. Essencialmente houve um incremento na potência, os pára-choques passaram a ser de plástico e os interiores foram ligeiramente revistos, mas o que me faz mesmo preferir o Sprint, é o facto de o travão de mão passar a estar ligado às rodas de trás, ao contrário do que acontecia com o Alfasud e Alfasud Sprint. No processo perderam-se os travões "inboard" e os discos traseiros foram substituídos por travões de tambor convencionais, mas não considero a diferença perceptível. Já a questão do travão de mão é outra estória.


Um facto menos conhecido do Alfa Romeo Sprint é que este carro esteve muito próximo de correr no Grupo B de rally, com um motor 2.5 V6 montado longitudinalmente atrás do condutor, enviando a potência para as rodas traseiras. A Autodelta chegou mesmo a fabricar alguns protótipos do Sprint 6C, mas a ideia foi posta de parte. 




Contudo, na Austrália, dois tipos que sabiam algumas coisas sobre carros, decidiram construir e comercializar o seu próprio Sprint 6C. Chamaram-lhe Giocattolo. Inicialmente, o plano era fazê-los como a Autodelta, com o Alfa V6, mas como os custos de importar o motor se provaram demasiado elevados, os Sprint Giocattolo começaram a ser equipados com V8's 5.0 da Holden, o que resultou num supercarro com uma relação peso/potência... interessante. Quinze Giocattolos foram fabricados, treze dos quais continuam a existir.





Em Portugal, a empresa Fábrica Italiana criou o seu protótipo de um Sprint de estrada perfeito, com o motor boxer aumentado para 1.8 de cilindrada, alargado e aligeirado, tudo fruto da sua experiência na competição. O carro deverá vir a ser comercializado e até agora é conhecido como EVO.35






Quanto ao Sprint de série, ainda os vemos por aí, e eu fico doente sempre que vejo um, ou penso num. Fiquei doente só de escrever esta crónica e remexer em imagens do carro, sabendo que não posso pegar nele e ir dar uma volta a algum lado. "Talvez para o ano", é o que eu vou dizendo a mim mesmo, mas até agora ainda não consegui apanhar o meu unicórnio, nem o Pai Natal o enfiou na minha chaminé.

Boas Festas a todos, e que os vossos sonhos de 4 rodas (ou as que entenderem) se realizem todos.






Gonçalo Sampaio, no Vício dos Carros

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