quinta-feira, 1 de janeiro de 2015

Crónicas de um viciado

Quando somos o tipo que percebe de carros no grupo de amigos, não é estranho ouvir a pergunta "Qual é o melhor carro do mundo?", mas responder a essa questão não é fácil, mesmo para quem devora livros e passa dias na internet a ler sobre carros.

Hoje vou falar sobre o carro que considero estar mais próximo desse título, de acordo com os meus padrões pelo menos, que são verdades universais, factos absolutos e inquestionáveis, frutos de uma vida dedicada ao metal, plástico, vidro, borracha e gasolina. Bem, pelo menos na minha cabeça são.

E que padrões são esses? O que é a receita para o automóvel perfeito? Porque não responder directamente McLaren F1 ou Ferrari F40? Porque não responder Bugatti Veyron SS ou Hennessey Venom GT, que, supostamente, são os mais rápidos? Bem, antes de mais, porque a velocidade de ponta a partir dos 250 Km/h começa a ser algo bastante complicado de se dominar, Deus sabe que eu gosto de acelerar, mas conduzir em estradas públicas a estas velocidades, mesmo numa autobahn, onde não existe limite, é assustador, extremamente perigoso e, quiçá estúpido. Não me interpretem mal, não há nada de errado com um carro que passe os 300 ou 400, mas é preciso levar as mãos à cabeça e perguntarmos a nós próprios se algum dia vamos ter unhas para os dar sem matarmos uma data de gente e nos desfazermos numa bola de fogo e sangue, perdoem-me o grafismo. 

Portanto não, não acho que a velocidade de ponta mais alta seja um critério relevante para definir o melhor carro do mundo. Contudo, prezo que chegue lá depressa.

Comecemos então, a listar os ingredientes para o carro perfeito.

Antes de mais, deve ser prático, tem de ter a capacidade de ser o nosso único veículo até ao fim dos dias, portanto nada de carros de duas portas com o motor no sítio dos bancos de trás. O carro perfeito tem de ser um carro tradicional, com uma mala generosa (neste caso, basta seguir o exemplo da máfia e tentar imaginar se um corpo humano cabe lá dentro) e espaço para 4 passageiros, vivos de preferência, que possam entrar e sair facilmente. O carro perfeito tem de ter 4 ou 5 portas.

Já diminuímos a lista a algumas dezenas de milhar de carros, mas vamos já eliminar muitos deles com o próximo critério. Está mais do que provado que a melhor prestação possível da parte de um automóvel vem de carros de tracção traseira, não nos podemos dar ao luxo de ter o melhor de sempre subvirar ou ter de recorrer a electrónica para não sofrer de "torque steer". Portanto, RWD.

Mas para afastarmos os Morris Marina da lista de candidatos, vamos já abordar uma questão pertinente, o motor. Eu não peço que seja o mais rápido do mundo, mas nunca poderá faltar potência ou binário, o que qualquer V8 costuma resolver. Sem dúvida, há imensos 4 e 6 cilindros absolutamente capazes, mas um V8 é nobre e perfeito. Tem de ser V8, e não se fala mais nisso.

Conduzir um carro não é para qualquer um, e não é qualquer um que se deve sentar ao volante do melhor carro de sempre, logo, de forma a afastar quem não esteja disposto a usufruir de uma experiência de condução perfeita, a caixa de velocidades tem, obrigatoriamente de ser manual.

Sedan, de tracção traseira, V8 com caixa manual. Estes são os ingredientes, e não são assim tantos os carros que se encaixam nesta categoria, mas alguns deles poderiam ser por exemplo o Rover SD1, que pela sua infeliz execução, comum a todos os produtos British Leyland da sua época, não pode, em perfeita justiça levar o prémio para casa. Também faria sentido pensarmos nos Falcons e Commodores australianos, mas... estão simplesmente demasiado longe.

Uma vez que a Mercedes-Benz e a Jaguar abandonaram praticamente o negócio das caixas manuais há décadas, só há uma escolha razoável... a BMW.

Há alguns anos, antes da electrónica e os automatismos invadirem, a BMW decidiu fabricar uma coisa chamada M5, uma versão desportiva do seu série 5, desenvolvida pelo departamento M. O resultado foi a referência mundial da berlina perfeita. Em 1999, deram-lhe um V8 de 400 cavalos, aperfeiçoando a besta. Esse carro é conhecido como E39 M5, e sim, ocupa o lugar de melhor carro de sempre de acordo com os meus padrões.

Mas deitaram fora a receita, porque quando decidiram substituir esse M5, colocaram-lhe um despropositado V10 e uma caixa sequencial, para além de terem tido a geração mais horrorosa do série 5 como base. Desde então nunca mais foi a mesma coisa.

O E39 foi o melhor, e o único. Agora só os australianos continuam a fabricar carros "perfeitos", mas em 2017 até a produção desses veículos terminará por completo. Nem sempre inovação é evolução, o E39 M5 foi o último caso, e o último da sua espécie.



Gonçalo Sampaio, no Vício dos Carros

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