É claro que, ao pensar nas origens da modificação automóvel, vêm-nos à cabeça os Hot Rods americanos, mas até podemos recuar um pouco mais, aos anos 30, quando Enzo Ferrari preparava os Alfa Romeo e Ugo Sivocci lhes pintava aqueles famosos trevos de 4 folhas num fundo branco, simplesmente para estes lhe trazerem boa sorte nas corridas. Talvez a verdadeira origem do Tuning seja essa, a competição, mais tarde democratizada pelos tais americanos que voltavam da guerra e compravam Fords Model A, B ou T e os reparavam, reconstruíam e modificavam, para depois correr entre semáforos.
Entretanto, o Japão tinha acabado de sofrer a vingança mais pesada de toda a História, deixando de gozar do seu estatuto de ameaça global para se tornar num exemplo do que acontece a alguém que leva uma faca para um duelo de pistolas, ou neste caso, um esquadrão de aeronaves -curiosamente Mitsubishis- para atacar uma potência nuclear.
O resultado desta tenebrosa vingança tem um certo brilho, uma espécie de final feliz, porque o Japão se tornou num dos países mais relevantes no desenvolvimento tecnológico do mundo, e a sua cultura, já ocidentalizada, é profundamente fascinante. Naturalmente, no que toca aos carros, a diversão começou aí.
Nos anos 50 ainda pouco ou nada nos chama à atenção no panorama das 4 rodas japonês, mas na década de 60 surgem as primeiras pérolas, como o S500 da Honda, o Sports 800 e 2000GT da Toyota, o Cosmo da Mazda e, claro, o Skyline Hakosuka e o Fairlady Z (para nós 240Z) da Nissan. A Mitsubishi e a Subaru só começaram a fazer desportivos a sério a partir da década seguinte.
Nesta altura, começa a nascer a vontade de modificar os carros entre os japoneses, com alargamentos de carroçaria, jantes mais largas, suspensões rebaixadas, radiadores de óleo, remoção de pára-choques, spoilers dianteiros ou traseiros, tudo o que transmitisse a ideia de um carro de competição. Esta foi uma época interessante, em que o drift deixou de ser apenas uma técnica aplicada por pilotos de corrida, para se tornar num desporto por si só. Foi aí que se começaram a ver os pneus esticados e os cambers a descambarem, perdoar-me-ão o trocadilho.
Quando as corridas do Grupo 5 começaram a ser feitas com Silhouette Cars (silhuetas de carros de produção), a moda dos spoilers exageradíssimos, que não teve impacto em mais nenhuma parte do mundo, explodiu no Japão, por todo o lado se começaram a ver carros com kits enormes, quase todos fabricados pelos próprios donos, para tentar captar aquela imagem dos carros de Grupo 5 do final dos anos 70 e início dos anos 80. Mas como se não bastasse, a excentricidade chegou ao cúmulo de serem feitas frentes aguçadas, tipo nariz de tubarão, escapes extremamente alongados, a ponto de serem mais altos do que os carros e pinturas com as cores mais berrantes que as lojas de tintas pudessem fabricar. Este estilo é normalmente apelidado de "Bosozoku", por ter tido origem em motas utilizadas e modificadas por membros do gang com o mesmo nome. No entanto, um nome mais politicamente correcto para descrever os carros japoneses modificados desta época é Kyusha, embora essa designação englobe tanto os carros mais simples como os exagerados, e daí ainda se utilizar tanto o termo Bosozoku.
Entretanto, o desenho automóvel foi evoluíndo, até os pára-choques fazerem parte da carroçaria e as arestas serem todas arredondadas outra vez. Isto deu muito espaço ao tuning para crescer e, de um momento para o outro, começamos a ver várias empresas fabricarem Body Kits em materiais mais leves, como fibra de vidro. Talvez a iniciativa tenha sido das próprias marcas, com modelos como o Mitsubishi Lancer Evolution ou o Subaru Impreza WRX, mas o facto é que a moda pegou, e conforme cada vez mais modelos nipónicos eram exportados para o resto do mundo, revelando-se muito apelativos de modificar também a nível mecânico (e alcançando cada vez mais sucesso em rallis e outras competições internacionais), o número de carros japoneses modificados disparou.
Talvez o maior reflexo deste impacto tenha sido o primeiro filme da saga Velocidade Furiosa, em que um trio de Hondas Civic assaltam camiões e um polícia infiltrado interpretado por Paul Walker conduzia um Mitsubishi Eclipse e um Toyota Supra pelas ruas de Los Angeles. Deixa saudades.
Hoje em dia vivemos num rescaldo dessa época mal definida que foram os anos 2000, e o carro japonês segue um pouco a tendência do resto do mundo, ficando cada vez mais electrónico, com linhas mais agressivas de fábrica, mas negligenciando os velhos coupés e sedans em prol de mais hatchbacks de 5 portas. Já poucos projectos procuram homenagear carros de rally e muitos procuram raspar pelo chão como se fossem turismos, tudo em nome do "stance". Ocasionalmente as marcas lançam um carro para nos lembrar dos clássicos, como o Toyota GT86, mas numa realidade portuguesa, em que o carro custa para cima de 40.000 euros, dificilmente vemos um na rua, quanto mais vê-lo modificado.
Felizmente, o mundo absorveu muitas lições do Japão, e o papel desse grande país no Tuning é inegável, é gigante, ainda faz muita gente sonhar e contribuiu imenso para nos viciar nesta droga pesada que são os carros.